IV






A personalidade integral


A consciência, o “eu”, é o centro do ser, a própria essência da personalidade.


Ser pessoa é ter uma consciência, um “eu” que reflete, examina-se, recorda-se. Poder-se-á, porém, conhecer, analisar e descrever o “eu”, os seus misteriosos recônditos, as suas forças latentes, os seus germens fecundos, as suas atividades silenciosas? As psicologias, as filosofias do passado debalde o tentaram. Os seus trabalhos não fizeram mais do que tocar de leve a superfície do ser consciente. As camadas internas e profundas continuaram obscuras, inacessíveis, até ao dia em que as experiências do Hipnotismo, do Espiritismo, da renovação da memória aí projetaram, afinal, alguma luz.


Então se pôde ver que em nós se reflete, se repercute todo o universo na sua dupla imensidade, de espaço e de tempo. Dizemos de espaço, porque a alma, nas suas manifestações livres e plenas, não conhece as distâncias. Dizemos de tempo, porque um passado inteiro dorme nela ao lado do futuro que aí jaz no estado de embrião.


As escolas antigas admitiam a unidade e a continuidade do “eu”, a permanência, a identidade perfeita da personalidade humana e a sua sobrevivência. Os seus estudos basearam-se no sentir íntimo, no que em nossos dias se chama introspecção.


A nova psicologia experimental considera a personalidade como um agregado, um composto, uma “colônia”. Para ela é apenas aparente a unidade do ser, que pode decompor-se. O “eu” é uma coordenação passageira, disse Th. Ribot. (42) Essas afirmações baseiam-se em fatos de experiência, que não se podem deixar de parte, tais como vida intelectual inconsciente, alterações da personalidade, correlação entre as doenças da memória e as lesões do cérebro, etc.


Como aproximar e conciliar teorias tão dessemelhantes e contudo baseadas, ambas, na ciência de observação? De maneira simples. Pela própria observação, mais atenta, mais rigorosa. Myers disse-o por estes termos: (43)


“Uma investigação mais profunda, mais audaz, exatamente na direção que os psicólogos (materialistas) preconizam, mostra que eles se enganaram afirmando que a análise não provava a existência de nenhuma faculdade acima das que a vida terrestre, assim como eles a concebem, é capaz de produzir e o meio terrestre de utilizar. Porque, na realidade, a análise revela os vestígios de uma faculdade que a vida material ou planetária nunca poderia ter gerado e cujas manifestações implicam e fazem necessariamente supor a existência de um mundo espiritual. Por outro lado, e em favor dos partidários da unidade do “eu”, pode-se dizer que os dados novos são de natureza a fornecer às suas pretensões uma base muito mais sólida e uma prova presuntiva que se avantaja em força a todas as que eles poderiam ter imaginado, a prova, especialmente, de que o “eu” pode sobreviver, e sobrevive realmente, não só às desintegrações secundárias, que o afetam no curso da sua vida terrestre, mas também à desintegração derradeira que resulta da morte corporal.


Muito falta ao “eu” consciente de cada um de nós para poder compreender a totalidade da nossa consciência e das nossas faculdades. Existem uma consciência mais vasta e faculdades mais profundas, cuja maior parte se conserva virtual em relação à vida terrestre, das quais se desprenderam, por via de seleção, a consciência e as faculdades da vida terrestre; tais, consciência mais alta e faculdades mais profundas, de novo se afirmam em toda a plenitude depois da morte.


Tenho sido, há cerca de catorze anos, levado lentamente a essa conclusão, que revestiu para mim a sua forma atual, em conseqüência de uma longa série de reflexões baseadas em provas, cujo número ia aumentando progressivamente.”


Em certos casos vê-se aparecer em nós um ser muito diferente do ser normal, possuindo não só conhecimentos e aptidões mais extensas que as da personalidade comum, mas, além disso, dotado de modos de percepção mais poderosos e variados. Às vezes, até mesmo nos fenômenos de “segunda personalidade” o caráter se modifica e difere por tal forma do caráter habitual que alguns observadores se julgaram na presença de um outro indivíduo.


Cumpre fazer bem a distinção entre esses casos e os fenômenos de incorporações de Espíritos. Os médiuns, no estado de desdobramento, de sonambulismo, emprestam às vezes o seu organismo a entidades do Além, Espíritos desencarnados que dele se servem para comunicar com os homens; mas, então, os nomes, as particularidades, as provas de identidade fornecidas pelos manifestantes não permitem confusão alguma. A individualidade que se manifesta difere radicalmente da do paciente. Os casos de G. Pelham,(44) de Robert Hyslop, de Fourcade, etc. nos demonstram que as substituições de Espíritos não podem ser confundidas com os casos de personalidade dupla.


Sem embargo, o erro era possível. Com efeito, do mesmo modo que as incorporações de Espíritos, a intervenção de personalidades secundárias é precedida de um sono curto. Estas surgem, as mais das vezes, num acesso de sonambulismo ou mesmo após uma comoção. O período de manifestação, a princípio de breve duração, prolonga-se pouco a pouco, repete-se e vai-se destacando, cada vez com maior precisão, até adquirir e constituir uma cadeia de recordações particulares que se distinguem do conjunto das recordações registradas na consciência normal. Esse fenômeno pode ser facilitado ou provocado pela sugestão hipnótica. É mesmo provável que nos casos espontâneos, em que nenhuma vontade humana intervém, o fenômeno seja devido à sugestão de agentes invisíveis, guias e protetores do sujet. Exercem eles nesses casos, como veremos, a sua ação para um fim curativo, terapêutico.


No caso, célebre, de Félida, estudado pelo Doutor Azam, (45) os dois estados de consciência, ou variações da personalidade, são nitidamente estabelecidos:


“Quase todos os dias, sem causa conhecida ou sob o domínio de uma comoção, ela é tomada pelo que chama ‘a sua crise’. De fato, entra no seu segundo estado. Acha-se sentada com um trabalho de costura na mão; de repente, sem que nada o possa fazer prever e depois de uma dor nas fontes, mais violenta que de costume, a cabeça cai-lhe sobre o peito, as mãos ficam inativas e descem inertes ao longo do corpo. Dorme ou parece dormir um sono especial, porque nenhum barulho, nenhuma excitação, beliscadura ou picada a podem acordar. Ademais, essa espécie de sono sobrevém subitamente e dura dois ou três minutos. Antes durava muito mais.


Depois, Félida acorda: mas o seu estado intelectual não é o mesmo que era antes de adormecer. Tudo parece diferente. Ergue a cabeça e, abrindo os olhos, cumprimenta sorrindo as pessoas que a cercam, como se tivesse chegado nessa ocasião; a fisionomia, triste e silenciosa antes, ilumina-se e respira alegria. A sua palavra é breve. Cantarolando, continua a obra de agulha que, no estado precedente, havia começado. Levanta-se. O seu andar é ágil e quase não se queixa das mil dores que, momentos antes, a faziam sofrer. Cuida dos arranjos domésticos, anda pela rua, etc. O seu gênio mudou completamente; de triste fez-se alegre. A sua imaginação está mais exaltada; o motivo mais insignificante a entristece ou alegra; de indiferente passou a uma sensibilidade excessiva.


Nesse estado, lembra-se perfeitamente de tudo o que se passou nos outros estados semelhantes anteriores e também durante a sua vida normal. Nessa vida, como na outra, as suas faculdades intelectuais e morais, posto que diferentes, acham-se incontestavelmente na sua integridade: nenhuma idéia delirante, nenhuma falsa apreciação, nenhuma alucinação. Félida é outra, nada mais. Pode-se até mesmo dizer que nesse segundo estado, nessa segunda condição, como lhe chama M. Azam, todas as suas faculdades parecem mais desenvolvidas e completas.


Essa segunda vida, em que a dor física não se faz sentir, é muito superior à outra, principalmente pelo fato notável de, enquanto ela dura, Félida lembrar-se não só do que se passou durante os precedentes acessos, mas também de toda a sua vida normal; ao passo que, durante a vida normal, nenhuma lembrança tem do que se passou durante os acessos.”


Vê-se que aí não estão em jogo várias personalidades, mas simplesmente vários estados da mesma consciência. A relação subsiste entre esses diversos aspectos do ser psíquico. Pelo menos, o segundo estado, o mais completo, nada ignora do que fez o primeiro; ao passo que este não conhece o outro senão por ouvir dizer. O modo de existência n° 2 trata o n° 1 com algum desdém. Félida, no segundo estado, fala da “rapariga estúpida”, do mesmo modo que nós mesmos o faríamos falando do menino desajeitado, do bebe trapalhão, que fomos em outro tempo.


No caso de Louis Vivé,(46) achamo-nos na presença de um fenômeno de “regressão da memória”. O sujet, sob a influência da sugestão hipnótica, revive todas as cenas da sua vida, como diz Myers, “com a rapidez e a facilidade de imagens cinematográficas. Não só os estados mentais passados e esquecidos voltam à memória ao mesmo tempo que as impressões físicas dessas variações, mas também quando um estado mental passado e esquecido é sugerido ao paciente, como sendo o seu estado atual, ele recebe imediatamente as impressões físicas correspondentes”.


Veremos mais adiante que, graças a experiências da mesma ordem, se tem podido reconstituir as excitações anteriores de certos pacientes com a mesma nitidez, o mesmo poder de impressões e sensações, o que nos levará a reconhecer que a ciência profunda do ser nos reserva muitas surpresas.


Em Mary Reynolds(47) assistimos a uma transformação completa do caráter, que apresenta três fases distintas: uma caracterizada pelo desleixo e outra com disposições para a tristeza, tendendo a fundir-se num terceiro estado superior aos dois precedentes.


Outro caso fornecer-nos-á indicações preciosas sobre a natureza do segundo estado nas variações da personalidade. É o da Srta. R. L..., observado pelo Dr. Dufay e publicado na Revue Scientifique, de 5 de julho de 1876.


A Srta. R. L... – diz o Dr. Dufay – apresenta dois estados da personalidade. Tem perfeita consciência, no segundo estado, que é o estado de sonambulismo, da acuidade surpreendente que adquirem os seus sentidos. A alma é mais sensível; a inteligência e a memória recebem também um desenvolvimento considerável. Pode contar os fatos mais insignificantes dos quais teve conhecimento em qualquer época, embora deles não se recorde quando volta ao estado normal.


Não podemos passar em silêncio as observações da mesma natureza, feitas pelo Dr. Morton-Prince em relação à Srta. Beauchamp.(48) Esta apresenta muitos aspectos da mesma personalidade, que se revelaram sucessivamente e foram sendo denominados, à medida que apareciam, B1, B2, B4, B5.


B1 é a Srta. Beauchamp em estado normal, pessoa séria, reservada, escrupulosa em excesso. B2 é a mesma em estado de hipnose, com mais desembaraço, simplicidade e memória mais extensa. B4, que se revela mais tarde, distingue-se das precedentes por um estado completo de unidade harmônica e de equilíbrio normal, mas a quem faz falta a memória dos seis últimos anos, em conseqüência de uma emoção violenta. Enfim, B5 que reúne, como em síntese, a memória dos estados já descritos.


A originalidade desse caso consiste na intervenção, em meio desses diversos aspectos da personalidade da Srta. Beauchamp, de uma personalidade que lhe é completamente estranha, como nos parece. Trata-se de B3, que se diz chamar Sally, ser esperta, travessa, na verdade faceira, pregando-lhe peças repetidas, uma vida bem difícil... Sally adapta-se, fisiologicamente, muito mal aos órgãos da médium.


Essa misteriosa Sally não poderia ser, segundo nós, senão uma entidade do espaço, conseguindo substituir-se, no sono, à pessoa normal e dispor, por um lapso de tempo, de um organismo cujo estado de equilíbrio está momentaneamente perturbado. Esse fenômeno pertence à categoria das incorporações de Espíritos, de que tratamos especialmente em outra obra.(49)


Por seu turno, o Dr. Herbert Mayo aponta um fenômeno de memória quíntuplo. (50) “O estado normal do sujet era interrompido por quatro variedades de estados mórbidos, dos quais ele não se recordava ao acordar, mas cada um desses estados conservava uma forma de memória que lhe era peculiar.”


Finalmente, F. Myers, na sua obra magistral, (51) relata, segundo o Dr. Mason, um caso de personalidade múltipla que entendemos dever reproduzir:


“Alma Z... era uma donzela muito sã e inteligente, de gênio inalterável e insinuante, espírito de iniciativa em tudo que empreendia, estudo, esporte, relações sociais. Em seguida a um cansaço intelectual e a uma indisposição da qual não fez caso, viu sua saúde seriamente comprometida e, decorridos dois anos de grandes sofrimentos, fez brusca aparição uma segunda personalidade. Numa linguagem meio infantil, meio indiana, esta personalidade anunciava-se como sendo a nº 2, que vinha para aliviar os sofrimentos da nº 1. Ora, o estado da nº 1 nesse momento era dos mais deploráveis – dores, debilidade, síncopes freqüentes, insônias, estomatite mercurial, de origem medicamentosa, impossibilitando a alimentação. A nº 2 era alegre e terna, de conversa sutil e espirituosa, inteligência clara, alimentando-se bem e abundantemente, com maior proveito, dizia ela, do que a nº 1. A conversa, por mais aprimorada e interessante que fosse, nada deixava suspeitar dos conhecimentos adquiridos pela primeira personalidade. Manifestava uma inteligência supranormal relativamente ao que se passava na vizinhança. Foi nessa época que o autor começou a observar esse caso e eu não o perdi de vista durante seis anos consecutivos. Quatro anos depois de ter aparecido a segunda personalidade, manifestou-se inopinadamente uma terceira que se fez conhecer pelo nome de “moleque”. Era completamente distinta e diferente das outras duas e tomara o lugar da nº 2, que esta ocupara por quatro anos.


Todas essas personalidades, posto que absolutamente distintas e características, eram, cada qual no seu gênero, interessantes, e a nº 2, em particular, tem feito e continua a fazer a alegria dos seus amigos, todas as vezes que aparece e que lhes é dado se aproximarem dela. Aparece sempre nos momentos de fadiga excessiva, de excitação mental, de prostração. Sobrevém, então, e persiste às vezes durante alguns dias. O “eu” original afirma sempre a sua superioridade, estando ali as outras apenas em atenção a ela e para seu proveito. A nº 1 nenhum conhecimento pessoal tem das outras duas personalidades; contudo, conhece-as bem, principalmente a nº 2, pelas narrativas das outras e pelas cartas que muitas vezes delas recebe, e admira as mensagens sutis, espirituosas e muitas vezes instrutivas que lhe trazem essas cartas ou as narrativas dos amigos.”


Limitar-nos-emos à citação dos fatos que acabamos de transcrever para não nos alongarmos demais. Existem muitos outros da mesma natureza, cuja descrição o leitor poderá encontrar nas obras especiais. (52)


No seu conjunto, esses fenômenos demonstram que além do nível da consciência normal, fora da personalidade comum, existem em nós planos de consciência, camadas ou zonas dispostas de tal maneira que, em certas condições, se podem observar alternâncias nesses planos. Vê-se então emergirem e manifestarem-se, durante um certo tempo, atributos, faculdades que pertencem à consciência profunda, mas que não tardam a desaparecer para volverem ao seu lugar e tornarem a mergulhar na sombra e na inação.


O nosso “eu” ordinário, superficial, limitado pelo organismo, não parece ser mais do que um fragmento do nosso “eu” profundo. Neste está registrado um mundo inteiro de fatos, de conhecimentos, de recordações referentes ao longo passado da alma. Durante a vida normal, todas essas reservas permanecem latentes, como que sepultadas por baixo do invólucro material; reaparecem no estado de sonambulismo. O apelo da vontade e a sugestão as mobilizam e elas entram em ação e produzem os estranhos fenômenos que a psicologia oficial comprova sem os poder explicar.


Todos os casos de desdobramento da personalidade, todos os fenômenos de clarividência, telepatia, premonição, aparecimento de sentidos novos e de faculdades desconhecidas, todo esse conjunto de fatos, cujo número aumenta e constitui já um grandíssimo amálgama, deve ser atribuído à intervenção das forças e recursos da personalidade oculta.


O estado de sonambulismo, que permite a sua manifestação, não é um estado “regressivo” ou mórbido, como o julgaram certos observadores; é, antes, um estado superior e, segundo a expressão de Myers, “evolutivo”. É verdade que o estado de degenerescência e enfraquecimento orgânico facilita, em alguns pacientes, o afloramento das camadas profundas do “eu”, o que é designado pelo nome de histeria. Tudo o que, de um modo geral, deprime o corpo físico, favorece, convém notar, o desprendimento, a saída do Espírito. A esse respeito, muitos testemunhos nos seriam fornecidos pela lucidez dos moribundos; mas, para avaliar somente esses fatos, é mister considerá-los principalmente sob o ponto de vista psicológico. Aí está toda a sua importância.


A ciência materialista viu nesses fenômenos o que ela chama “desintegrações”, isto é, alterações e dissociações da personalidade. Os diversos estados da consciência aparecem algumas vezes tão distintos e os tipos que surgem são de tal modo diferentes do tipo normal, que têm levado a crer que se está em presença de várias consciências autônomas, em alternação no mesmo paciente. Acreditamos, com Myers, que nada disso sucede. Há aí simplesmente uma variedade de estados sucessivos coincidindo com a permanência do “eu”. A consciência é uma, mas se manifesta de diversos modos: de maneira restrita, na vida normal, enquanto está limitada ao campo do organismo; mais completa, mais extensa em estados de desprendimento e, finalmente, de maneira cabal, perfeita, na ocasião da morte, depois da separação definitiva, como o demonstram as manifestações e os ensinamentos dos Espíritos. A desagregação é, pois, apenas aparente. A única diferença entre os estados variados de consciência é uma diferença de graus. Esses graus podem ser numerosos. O espaço que, por exemplo, medeia entre o estado de incorporação e a exteriorização completa parece considerável. A personalidade não deixa, por isso, de permanecer idêntica através da concatenação dos fatos da consciência, que um laço contínuo liga entre si, desde as modificações mais simples do estado normal até os casos que comportam transformação da inteligência e do caráter; desde a simples idéia fixa e os sonhos até a projeção da personalidade no mundo espiritual, nesse Além onde a alma recupera a plenitude das suas percepções e dos seus poderes.


Já no decurso da existência terrestre, da infância à velhice, vemos o “eu” modificar-se incessantemente; a alma atravessa uma série de estados, anda em mudança contínua. Não obstante, no meio dessas diversas fases, é invariável a fiscalização que exerce sobre o organismo. A Fisiologia salientou a sábia e harmoniosa coordenação de todas as partes do ser, as leis da vida orgânica e do mecanismo nervoso, que não podem ser explicadas sem a presença de uma unidade central. Essa unidade soberana é a origem e a causa conservadora da vida; relaciona-lhe todos os elementos, todos os aspectos.


Foi por uma conseqüência não menos perniciosa das teorias materialistas que os “psicólogos” da escola oficial chegaram a considerar o gênio como uma neurose, quando ele pode ser a utilização, em maior escala, dos poderes psíquicos ocultos no homem.


Myers, falando da categoria dos histéricos que conduzem o mundo, emite a opinião de que “a inspiração do gênio não seria mais do que a emergência, no domínio das idéias conscientes, de outras idéias em cuja elaboração a consciência não tomou parte, mas que se têm formado isoladamente, por assim dizer, independentemente da vontade, nas regiões profundas do ser”.(53)


Em geral, aqueles que tão levianamente são qualificados como “degenerados” são muitas vezes “progenerados”, e nestes sensitivos, histéricos ou neuróticos, as perturbações do organismo físico e as alterações nervosas muito caracterizadas em certas inteligências geniais, como em outro lugar vimos (No Invisível, último capítulo), podem realmente ser um processo de evolução pelo qual toda a humanidade terá de passar para chegar a um grau mais intenso da vida planetária.


O desenvolvimento do organismo humano até à sua expansão completa é sempre acompanhado de perturbações, do mesmo modo que o aparecimento de cada novo ser na Terra é delas precedido. Em nossos esforços dolorosos para maior soma de vida, os valores mórbidos transmutam-se em forças morais. As nossas necessidades são instintos em fusão, que se concretizam em novos sentidos para adquirir mais poder e conhecimento.


Mesmo no estado comum, no estado de vigília, emergências, impulsos do “eu” profundo podem remontar até às camadas exteriores da personalidade, trazendo intuições, percepções, lampejos bruscos sobre o passado e o futuro do ser, os quais denotam faculdades muito extensas, que não pertencem ao “eu” normal.


Cumpre relacionar com essa ordem de fenômenos a maior parte dos casos de escrita automática. Dizemos a maior parte, porque sabemos de outros que têm como causa agentes externos e invisíveis.


Há em nós uma espécie de reservatório de águas subterrâneas, donde, em certas horas, rompe e sobe à superfície uma corrente rápida e em ebulição. Os profetas, os mártires de todas as religiões, os missionários, os inspirados, os entusiastas de todos os gêneros e de todas as escolas conheceram esses impulsos surdos e poderosos, que nos têm brindado com as maiores obras que hão revelado aos homens a existência de um mundo superior.